Pedro Gadanho (1968) é arquitecto. Tem feito um percurso diversificado pela cultura contemporânea - arquitectura, design, artes visuais -, e tem desenvolvido um conjunto de actividades que vão do projecto de arquitectura, ao comissariado de exposições, à edição e à actividade docente na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP). Vive entre Lisboa e o Porto, os seus projectos acontecem, cada vez mais, com ligações a outros países europeus, tal como a recente mesa redonda na Bienal de Arquitectura de Veneza 08, no passado mês de Setembro, e a série de livros que vai editar para a SUN Publishers em Amesterdão: BEYOND, Short-stories on architecture & city after the contemporary.
"P: O que motiva a passividade? Porquê tal falta de propostas e de revisão?
R: As pessoas contentam-se demasiado depressa com um círculo restrito que se formou e estabilizou - e se reproduz - há já demasiado tempo. E isto é tão válido para a arquitectura como para a arte. Surgem novos valores, mas os verdadeiros protagonistas institucionais não mudam há mais de 10 anos - só mudam de lugar na dança das cadeiras. Assim, por entre as sucessivas crises económicas nacionais, pode afirmar-se também que é tão ou mais difícil propor e realizar um projecto independente agora do que o era há alguns anos atrás... E era suposto ter-se melhorado, não? De resto, o único risco que temo é que a realidade de certas áreas, como a da arquitectura, se torne perfeitamente entediante e asfixiante... Como tal, e como não tenho nem jeito nem paciência para quixotismos - bem como para o dispêndio de energia que significa lutar contra moinhos de vento -, viro-me de novo para outros ares. Assim, o meu último projecto é feito em Amesterdão, para uma editora holandesa, e terá um âmbito europeu. A BEYOND será um misto de livro e revista que propõe a short-story, o ensaio semi-ficcional, como categoria interessante para reposicionar a escrita sobre a arquitectura e cidade nos nossos dias. Os autores são críticos e ensaístas emergentes de toda a Europa e deseja-se que a audiência-alvo extravase o público tipo das publicações especializadas de arquitectura. E estamos bastante contentes porque conseguimos contar com o Bruce Sterling - escritor cyberpunk de ficção científica que tem escrito sobre cultura de design para a revista Wired - como primeiro escritor de ficção convidado. O primeiro número sai em Abril de 2009, com o tema Scenarios & Speculations e, nos números seguintes, começarão também a surgir contributos portugueses. "
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" P: Referes a ausência de estratégia de continuidade na internacionalização, que flutua com a subjectividade do organizador…
R: Registei com curiosidade que nenhum desses arquitectos estava, três anos depois, a apresentar trabalho junto das estrelas internacionais que fizeram o programa de conferências da Trienal de Arquitectura de Lisboa. De resto, também não estavam aí nenhuma das jovens promessas de um encontro geracional que ajudei a organizar há quinze anos atrás: o encontro de Serpa. Achei isso gritante e, para mim, tal quer dizer que, apesar do que se propagandeia por aí, algo vai mal no reino de Portugal. A arquitectura portuguesa continua a alimentar-se de um capital simbólico ilusório. De facto, o “reconhecimento externo” de um certo número de protagonistas esgota-se progressivamente. Aliás, tal já está a acontecer: onde estavam os participantes convidados na Bienal de Veneza para além da representação oficial? Por outro lado, não se está a aproveitar uma herança identitária forte para criar a biodiversidade que garantiria uma sobrevivência saudável do meio a longo prazo... Mas, mais uma vez, tudo isto é muito português, o resultado de uma mentalidade muito mesquinha. "
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" P: E ao nível da formação? Tens uma relação longa com o ensino de Arquitectura, doutoraste-te no ano passado na FAUP. Como vês a produção e a formação dos jovens criadores/arquitectos? E a investigação em arquitectura?
R: Parece-me que a minha resposta já está à vista. Qual investigação? A daqueles que vão para fora em busca de recursos e plataformas para a pesquisa e, depois, mesmo que desejem regressar, se vêm obrigados a fazer render o seu conhecimento acrescido noutros sítios que realmente os acolhem? Ou a investigação daqueles que seguem ordeiramente o percurso académico para garantir um lugar num establishment universitário cada vez mais desligado da realidade exterior? Em termos de ensino arquitectónico, vejo a situação que conheço como uma espécie de travessia do deserto. Há um refúgio excessivo numa tradição que, apesar de tudo e de maneira válida, se construiu ao longo das últimas décadas e há, por cima disso, uma total recusa de inovar nos modelos pedagógicos e organizacionais da escola. E não há, quanto a mim qualquer tipo de brecha para qualquer vislumbre de reforma. Só por quixotismo, mais uma vez, se pode imaginar qualquer transformação real que não seja convenientemente abafada por uma lógica hierárquica bastante pobre, muito pouco baseada no mérito demonstrado. Nesse sentido, e quando saíram do sistema de Belas-Artes, as escolas de arquitectura parecem ter herdado apenas o pior da universidade portuguesa. Típico, nesse sentido, é a resistência brutal ao intercâmbio de ideias com o exterior e, como exemplo mais concreto, a fuga para trás perante as oportunidades que o Processo de Bolonha poderiam acarretar para o entendimento geral do ensino arquitectónico. Assim, foi só mais do mesmo: foi preciso que algo mudasse - algumas designações, algumas distribuições de horários - para que tudo ficasse rigorosamente na mesma. "
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" P: E o que deveriam fazer as instituições, as “escolas” ou “centros de estudo”, como deveriam participar na actividade cultural do país?
R: As escolas não deveriam ser tão limitadas e autocentradas nos seus objectivos de promoção cultural - que se traduzem por vezes, tão só, na produção de uma pequena exposição no átrio para consumo interno - mas deviam envolver-se com parceiros externos para gerar debates conteúdos que estejam out there, fora dos muros do campus... Há experiências individuais, a custo, que são positivas, mas não consigo ir por aí se não pressinto um acolhimento positivo e uma vontade proactiva de ir por aí... E os centros de estudos, se servem para responder a clientes com problemas concretos - territoriais ou outros - deveriam fazê-lo numa perspectiva de crítica e de produção de conhecimento e não apenas de “resposta” ou “prestação de serviços”. Apesar de tudo, o campo arquitectónico pode e deve superar esse estigma de fornecer um mero “serviço” que é necessariamente acrítico em relação aos poderes encomendadores... Um centro de estudos universitário deveria servir para levantar questões e descobrir problemas, não simplesmente para os “resolver”. Para isso existe um mercado de oferta de serviços. Nesse sentido, qualquer centro de estudos deveria ser activo na publicitação das pesquisas que lhe são solicitadas e mostrar-se capaz de transformar os resultados dessas pesquisas em conhecimento retransmitido para a arena pública de uma forma minimamente aliciante. Isso seria um contributo para a actividade cultural. _
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" P: Tens referido a ideia de “crise”, a urgência em pensar a “crise”, que é essencialmente uma crise de ideias. E num texto recente (ver Hatch, The new architecture generation) referes uma ligação geoestratégica de Portugal ao Sul; pareces definir-nos como parte de um Sul, já não de um centro privilegiado. Este redireccionamento parece corresponder à ressaca do glamour da imagem dos anos 90, da novidade da “cultura de projecto”, de um certo lifestyle ocidental…
R: De repente ocorreu-me que esse texto ganhou agora ainda mais actualidade. Ainda bem que o livro só saiu agora (risos). Mas a crise de que falava não era só, de facto, uma crise de ideias. É uma crise de desequilíbrios globais que, quando se incrementam, acabam por explodir, como agora se viu. No entanto, sou daqueles que acham que as crises são proveitosas porque conduzem à reflexão e, in extremis, aos momentos de mudança de paradigma. Para mim a sugestão da crise dos últimos anos - crise social e económica e só depois de expressão e de expressões culturais - é que, perante a escassez de recursos, teremos que nos voltar para outras formas de pensar e de solucionar os problemas e os desequilíbrios do quotidiano. Nesse sentido talvez se tenha que deslocar a tónica da “resolução dos problemas” de um passado recente claramente ocidental - baseado na ideia de progresso e de prosperidade da sociedade afluente - para as lógicas de actuação, as formas de criatividade emergentes, se assim se quiser, de sociedades que, no passado recente e no presente, enfrentaram e enfrentam muito maiores dificuldades e desequilíbrios do que as sociedades ocidentais avançadas. Daí a emergência da Ásia e quiçá, no futuro, de África. A minha tese nesse escrito, e quase em jeito de ficção científica, é que a alteração climática e o aquecimento do planeta podem proporcionar deslocações dos centros da criatividade que realmente interessa - aquela que é baseada em recursos mínimos e não numa riqueza evidente e ostentatória - de onde eles actualmente se encontram mais para SUL. E defendo, portanto, que pela nossa condição de pobreza, mas também pelas nossas ligações culturais a outras realidades geográficas, nós estaremos mais perto dessa nova realidade do que a das sociedades nórdicas. Por vocação de interpretação histórica à la longue, não acredito que as coisas sejam tão estáveis como nós as cremos. E nesse sentido, estava só a procurar ser, mais uma vez optimista, relativamente à nossa condição periférica e entre dois mundos. Mas, no fundo, talvez seja o Brasil o país que, entre outros, está realmente preparado para protagonizar o desafio enunciado. E, aí, sabemos ao menos que o Brasil é onde reside um importante património genético português (risos). "
Labels: Architecture
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